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O que significa a pergunta?
Numa questão tão importante como o que vai ser referendado (ainda por cima, o primeiro da História recente de Portugal), impunha-se que a pergunta fosse clara, objectiva e isenta de diferentes interpretações. Também seria importante que o resultado deste referendo fosse definitivo, em termos de interpretação do resultado.
Não é isso que acontece! Os problemas são vários e prendem-se com a forma como a pergunta está construída, com a linguagem utilizada e com o que se poderá concluir do resultado.
Em primeiro lugar, a forma como a pergunta está construída.
Interrupção Voluntária da Gravidez, apesar de ser um termo técnicamente correcto para descrever o aborto, não é o termo comummente utilizado pelo português médio. Para este, o termo correcto é aborto.
A questão do "estabelecimento de saúde legalmente autorizado" é desnecessária, uma vez que, não sendo referida na Lei do Aborto, remete para a lei geral e as intervenções cirurgicas só podem ser realizadas em "estabelecimento de saúde legalmente autorizado". Também aqui, parece ter havido um excessivo e despropositado cuidado em justificar a pergunta.
Ao se utilizar um termo mais clínico e asséptico e uma forma mais longa e demasiado pormenorizada, as mentes menos confiantes terão motivo para considerar que a pergunta foi construída de forma a conduzir o eleitor para uma determinada resposta.
No entanto, esta questão é altamente discutível e não consensual, pelo que não justifica mais do que uma menção.
Em segundo lugar, a conclusão que se pode formar do resultado.
Se o resultado for não, o que é que se está a recusar? As "10 semanas" ou "por opção da mulher"? Se o não ganhar, haverá outro referendo sobre o mesmo assunto mas com outro prazo?
E se o sim ganhar por uma margem confortável? Explora-se a possibilidade de alargar o prazo?
Não seria melhor uma pergunta mais simples e que deixasse de fora os pormenores como o prazo e o "em estabelecimento de saúde legalmente autorizado"? Referendava-se o princípio do aborto livre e deixavam-se os pormenores para os técnicos, tal como se faz com as restantes Leis. Da forma como a pergunta está feita, a maior parte das pessoas nem sequer sabe a que é que está a responder.
A pergunta mais simples, directa e objectiva seria, por exemplo:
Concorda com a despenalização do aborto?
ou
Acha que o Estado deve ajudar a fazer um aborto todas as mulheres que o desejem?
Poder-se-ia mesmo substituir "aborto" por "Interrupção Voluntária da Gravidez", sem que o essencial se perdesse. Desta forma, a pergunta não seria ambígua nem confusa e todos saberiam exactamente a que estavam a responder.
Note-se, no entanto, que mesmo as duas sugestões apresentadas se referem a duas questões separadas. Mas qualquer uma delas´seria muito mais objectiva e clara do que aquela a que vamos responder no dia 28.
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